sexta-feira, dezembro 12, 2014

Entre a desconfiança e o desinteresse: A abstenção eleitoral nas democracias

Com ou sem propaganda abstencionista, não faltam as manifestações de cepticismo na democracia representativa, e o que vemos por todo o mundo é uma colossal perda de legitimidade desses regimes.
Por João Bernardo

Os inquéritos sociológicos indicam que a maioria dos participantes em eleições não se ilude quanto à eficácia do sufrágio, por isso vota mais contra um partido ou um candidato do que a favor de outro partido ou de outro candidato. Quer estas pessoas sejam de esquerda ou de direita ou de lugar nenhum, ir pregar-lhes que as eleições são um logro é chover no molhado. Para evocar um exemplo do outro lado do mundo, recordo que nas eleições legislativas realizadas em Madagáscar em 1989 contaram-se cerca de 40% de abstenções, o que a oposição considerou uma vitória, visto que lançara um apelo nesse sentido. Mas como esta taxa de abstenção não parece superior à de outros países onde as oposições apelam à participação no voto, veremos neste artigo que com ou sem propaganda abstencionista não faltam as manifestações de cepticismo na democracia representativa. Com efeito, serão raros aqueles que julgam que podem mudar o mundo através do voto. [...] Quaisquer que sejam os espaços possíveis de obter através dos resultados eleitorais, o facto decisivo, a meu ver, consiste na enorme taxa de abstenções.
[...]
É interessante considerar que uma percentagem muito significativa de pessoas prefere mostrar a sua descrença pela democracia representativa pura e simplesmente não votando, em vez de eleger os candidatos de extrema-esquerda que se apresentam em plataformas críticas dessa democracia representativa. A desconfiança atinge todos os que participam nos processos eleitorais, quaisquer que sejam as suas ideologias e o teor dos seus discursos. E assim o que vemos por todo o mundo é uma colossal perda de legitimidade das democracias. Basta uma aritmética rudimentar para constatarmos que, com 1/3 de abstencionistas, que é uma percentagem bastante comum, o candidato ou o partido que obtenham metade dos votos conseguirão, afinal, o sufrágio de apenas 1/3 do eleitorado. Mesmo quando o número de abstencionistas se reduz a 1/4, o que pode ser considerado como uma taxa de participação elevada, quem alcance metade dos votos conta apenas com 37,5% de aprovação. Que grandes vitórias! Esta perda de legitimidade das democracias não é certamente alheia ao reforço da fiscalização dos gestos mais comuns do dia-a-dia, através dos meios electrónicos de vigilância. O que tem afinal ocorrido é a transformação gradual das democracias representativas em autoritarismos tecnocráticos, e o crescimento das abstenções é um indício deste processo.

Excertos de de um artigo de João Bernardo de Março de 2009

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