"Que se lixe a corrupção, quero uma justiça que funcione!"
"Casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão". Já dizia o antigo ditado. Todos gritam no país, todos sentem as consequências de anos e anos a vivermos acima das nossas possibilidades. "Ah! mas eu nunca vivi acima das minhas possibilidades!"... lamento, mas viveu. Vivemos todos. Num Estado paizinho, e que aparentemente queremos que assim continue (ainda não aprendemos), o que o pai faz afecta os filhos. Dou outro exemplo mais simples de entender: se o meu vizinho pedir um grande montante emprestado e a seguir, com esse dinheiro, fizer obras em casa, comprar carro novo e contratar-me para ser sua cozinheira e, se, de repente, o vizinho deixar de ter quem lhe empreste, vai ter continuar a pagar as obras, porque já estão feitas, pode entregar o carro e eu tenho de perder o meu emprego de cozinheira porque o meu vizinho deixou de ter como me pagar e eu estava directamente dependente do que ele fazia. Tenho culpa? Posso não ter, mas teria consciência que aquilo era um emprego de mentira, dado por alguém que fingia ter um dinheiro que não tinha. Logo deveria estar preparada para essa eventualidade ou deveria ter ido trabalhar para quem tinha dinheiro a sério.
Agora não temos dinheiro e temos de ter consciência de uma série de coisas. Se mal temos para comprar o "pão", que é o essencial, como podemos continuar a exigir mais para além disso?
Quando leio coisas como a afirmada por Henrique Monteiro "o mundo é mais do que a Economia. A mera racionalidade económica, se não for compensada por aspetos como caridade/solidariedade; amizade/companheirismo/amor; coesão/camaradagem/vizinhança entre muitas outras categorias não económicas (ocorre-me também a boa educação), é inútil." penso, quanto à boa educação, à amizade, companheirismo, amor, nada contra, também porque nada se paga por isso, mas será possível praticarmos a caridade se dela estivermos a necessitar? E a amizade mata a fome?... Estas palavras de Henrique Monteiro e são uma resposta por Camilo Lourenço ter afirmado que os cursos de história não têm utilidade para a economia. Eu concordo com Camilo Lourenço: Como podemos pagar cursos para pessoas ficarem desempregadas quando não temos "pão"? A educação é um investimento que o país faz, já nem referindo que só pode investir quem tem dinheiro para isso, pergunto: que investimento está a representar a maioria dos cursos de humanidades actualmente pagos? estamos a investir em quê? desemprego? Se é para pagar que seja para algo que nos faça ter o tal pão que agora falta.
Já sei que se vão levantar contra mim, contra a minha insensibilidade porque as humanidades são importantes. Nem eu disse que não eram, apenas que, neste momento, não precisamos de mais licenciados nessa área, e neste momento devíamos aprender a restringir-nos ao essencial. Se queremos tirar cursos que têm como fim o desemprego, devemos pagá-los do nosso bolso.
Todos concordamos que o maior problema do país é a corrupção, o clientelismo e, no entanto, o mote da manifestação é "que se lixe a troika, quero a minha vida de volta" e não "Que se lixe a corrupção, quero uma justiça que funcione!". Era isto que se devia estar a exigir e no entanto o que vemos são palavras de ordem contra o governo e pedidos para que quem nos empresta o dinheiro para contratarmos a "cozinheira" deixe de meter-se na nossa vida.
Cantar a grândola não mata a fome. Fazer manifestações não resolve os problemas do país. Se o país gasta mais do que o que ganha, ou passa a ganhar mais, e aí temos de ir trabalhar e não manifestar, ou passa a gastar menos e aí vai ter de despedir a "cozinheira" que contratou com dinheiro que não era dele. Somos um povo que não sabe exigir o que, realmente, é essencial.
(texto publicado em Março de 2013 no facebook)
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