quinta-feira, junho 05, 2003

O Portugal que temos ou o Portugal que merecemos ter?

Não há português que se preze que, consciente ou inconscientemente, se pergunte a si próprio, aos familiares, aos amigos ou a Deus qualquer coisa do género: "Porque raio é que este país é como é?"
Ora a pergunta faz muito sentido e é repetida neste tom ou, em força de interjeição, no mais popular "Só neste país, pá!", substituí­do pelo "Lá fora é que é bom!", e por aí fora!
Mas afinal, se todos somos portugueses, e se todos (ou quase todos) reclamamos de Portugal, o que é que está errado, nós ou todos os outros? Portugal ou os portugueses?
A minha opinião, mal alinhavada, porque o assunto não é fácil e porque não sou propriamente um especialista na nobre arte da escrita, é a seguinte: o país é bom...não é rico, mas é bom. Não temos movimentos separatistas importantes (à excepção do Alberto João Jardim e do Pinto da Costa); não temos catástrofes naturais permanentes (à excepção de alguns programas de televisão e da maior parte das revistas e dos jornais); nem sequer temos movimentos polí­ticos extremistas que coloquem em causa a democracia (à excepção de meia dúzia de senhores a quem se dá demasiada importância).
Mas então, se o país é bom, porque nos queixamos dele? Na minha opinião, porque temos receio de nos queixar de nós próprios. O português típico continua a alinhar na técnica do menor esforço possível: seja na política, no desporto, no trabalho, na cultura, nos meios de comunicação social ou em qualquer outro parâmetro da nossa vida em sociedade, o português esforça-se por alcançar os mínimos como se de uma qualquer prova para chegar aos Jogos Olímpicos se tratasse.
E porquê? Porque não tentam as pessoas sobressair da mediana, porque não arriscam ultrapassar limites, porque preferem a comodidade do "bonzinho", do "suficiente", do "assim está bom". Penso que a resposta (ou parte dela) é mais simples do que possa parecer à primeira vista.
Quando somos novos, as crianças mais inteligentes são, quase sem excepção, colocadas de parte por serem diferentes. Se alguém se distingue passa a ser o protegido dos professores e o alvo predilecto de troça dos "normais". À medida que vamos crescendo, a crueldade típica das crianças devia ir desaparecendo, mas não. Torna-se apenas mais violenta e, sobretudo, mais eficaz, fazendo com que, progressivamente, qualquer instinto de criatividade ou vontade para um jovem inovar, ou para sobressair da referida mediania, se perca até que todos nos transformamos numa amálgama indiferenciada de portugueses conformados e passivos.

Mesmo na idade adulta, a tendência é para abafar os colegas que se distingam no trabalho, sob protesto de que o patrão nos peça para seguirmos o exemplo do espertalhão...isso não pode ser!
O que importa é receber o dinheirinho ao final do mês, poder criticar o Governo, a Oposição, a Câmara Municipal, o Clube de futebol, a Liga, os Árbitros, os Vizinhos, a Televisão, os Americanos, os Espanhóis, os Iraquianos e por aí afora, como se não houvesse amanhã, mas sempre sem tomar uma atitude que seja.

Sim, porque o português pode estar contra tudo e contra todos, que isso não implica que tenha de fazer alguma coisa acerca disso. Cruzes canhoto! E depois o que diriam dele, se ele reclamasse do que está errado? É por isso que temos fenómenos do tipo Felgueiras, ou o daqueles senhores que quase que batem em jornalistas por estarem à porta do TIC.
Enfim, como cantava a Amália, nesse fado que é um autêntico hino ao pensar nacional, é uma "estranha forma de vida". Ou como diriam outros ainda...vidas!