segunda-feira, junho 30, 2003

Bloqueador de conversa

Esta semana que passou, ocorreram-me mais duas situações, que me levam a acreditar, que uma invenção que foi concebida para facilitar a conversa, se trata afinal de algo que ameaça tornar-se num autêntico pesadelo para a raça humana. Daí eu achar que ela deveria ser distinguida com um prémio qualquer, que fizesse sobressair uma qualidade que ela tem, que é o de BLOQUEAR A CONVERSA. Falo do telemóvel.

Esta pequena maravilha da tecnologia e da miniaturização, que na última década invadiu o nosso planeta e que é das poucas coisas em que Portugal integra o pelotão da frente (com tudo o de bom e de mau que isso acarreta, chegando-se ao ponto, de muitas marcas testarem certas funcionalidades no nosso mercado, antes de as globalizarem...), é algo que, apesar de lhe reconhecer alguma utilidade, pessoalmente desprezo, ao ponto de já ter sido reconhecido como o único português sem telemóvel, sendo por isso motivo de chacota e incredulidade entre familiares e amigos.

Na passada 4ª feira, fui almoçar com um colega meu de curso e durante o almoço (que durou 1 hora e 15 mins), consegui ter cerca de 20 minutos de conversa, sendo que destes, só 10 foram consecutivos. Este meu amigo tem 2 BLOQUEADORES DE CONVERSA - 1 pessoal e outro da entidade patronal - e nesse tempo recebeu 7 chamadas.

Na 6ª feira à noite, fui a um jantar de "bêbados inveterados", que durou 5 horas, e entre as 13 pessoas presentes, 11 possuíam um ou mais BLOQUEADORES DE CONVERSA. Desde logo ficou desmentida a ideia que sou o único português sem um aparelho destes (pelo menos há 2). Grande parte do jantar, foi um concerto de "tiriris" e outros toques polifónicos por vezes difí­ceis de identificar.

Em ambas as ocasiões, toda e qualquer conversa entre 2 pessoas, quase se tornou num martí­rio e em algo que, para além de ser permanentemente interrompido (por motivos fúteis e/ou desnecessários), acabou por ser quase secundário, ou seja: O BLOQUEADOR DE CONVERSA tinha sempre prioridade, qual ambulância a assinalar marcha de urgência.

Mesmo antes de haver Bloqueadores de Conversa, já o mesmo sucedia com os telefones "normais" da rede fixa. Ainda a semana passada, após 10 minutos em "filinha pirilau" num banco, quando chegou a minha vez, lá o caixa interrompeu o meu depósito para atender um "cliente" (foi a sua justificação após a minha queixa...). Então e eu sou o quê? A esta pergunta ele baixou a cabeça e não conseguiu olhar mais a direito para mim.

Com os BLOQUEADORES DE CONVERSA, passa-se o mesmo. Existem para duas pessoas comunicarem. Mas, e nas duas ocasiões que relatei, eu era o quê? Eu também tentava comunicar. Eu tentava fazer o mesmo, mas foi-me extremamente difícil.

No jantar, ainda sugeri, que desligassem todos o aparelhos, mas o olhar de esguelha, que me fez o "meu vizinho" do lado, fez-me desistir da ideia. Outra ideia que lancei para o ar, foi, para telefonarem uns aos outros, e assim sempre estavam a conversar no restaurante.

"Cala-te, pá! Lá 'tás tu com as tuas parvoíces. Bebe mas é a &$%&$ da imperial!!!". Foi a resposta imediata.

O mais perverso destes aparelhos, muitos deles equipados com um arsenal de funções, é que se tratam também de um excelente DESBLOQUEADOR DE CONVERSA, mas só quando os seus orgulhosos proprietários os exibem, e mostram as suas habilidades, em frente a outros "invejosos" que não descansam enquanto não trocam o seu BLOQUEADOR DE CONVERSA por um outro, mais novo e que, quem sabe, não trará já 1 escova de dentes, 1 chave de fendas, 1 secador de cabelo, ou quiçá até 1 berbequim e 1 aspirador portátil...