domingo, fevereiro 11, 2007

Sim.

Acabou "a campanha sobre o aborto". E os "portugueses" foram bem claros em dizer duas coisas:

1 - Esta via legislativa não nos interessa para nada. Realmente, o que o Joaquim disse aqui em baixo tem toda a razão. A malta não gosta da Razão. Não gosta de se questionar e tem medo de perguntar. É, diria, uma questão genética: Nem para decidir para que lado a pessoa que nos está a perguntar o caminho gostamos de nos perguntar - dizemos um e pronto, cá vai disto, que se ela for ter a outro sítio o problema é dela e fizemos boa figura (eu próprio me insiro neste grupo - cuidado se algum dia me perguntarem o caminho para algum sítio). Ainda querem fazer um referendo sobre a Constituição Europeia durante ou logo após a nossa presidência no próximo semestre. Quem estiver com essa ideia é estúpido que nem uma porta - a "Europa" está tão longe do português médio como as dores de crescimento económico chinesas. Nós queremos falar e dizer mal do nosso cantinho. Não gostamos - nunca gostamos - de pensar muito lá para fora e não estarei longe da verdade se disser que em 90% das vezes "Bruxelas" - ou qualquer coisa similar - vem antecedido da expressão "pára lá de falar dessas coisas" no vocabulário tuga. Eu, que posso dizer sem parecer presunçoso que estou p'raí na elite dos 10/15% mais bem informados - porque gosto do jogo político - sobre a questão europeia teria de votar em branco porque, honestamente, não tenho informação suficiente para avaliar se quero ou não uma Constituição Europeia e imagino o "português médio" a dizer: "Quê?!". Deixem-se disso, pá. Referendos acabaram (com alguma pena minha) não por falta de participação mas mesmo (e mais grave) por falta de vontade colectiva porque dos poucos que votaram hoje a maioria não seguiu a campanha, não se empenhou e limitou-se a fazer o que o partido/religião o "mandou" fazer.

2 - O Portugal urbano ganhou ao Portugal rural. É curioso ver isso na divisão de votos por distrito e na evolução dos votos ao longo da noite. Se ás 20h os resultados das freguesias apuradas (as mais pequenas e rurais) dava uma ligeira vantagem ao sim (53.28-46.7), ela foi subindo à medida que se iam apurando as assembleias de peso médio (20h30: 56.7-43.3), ela dilatou-se ás 21 (58.77-41.23) e confirmou-se ás 21h30(59.32-40.68), quando a grande maioria das freguesias já estava apurada - os Açores acabaram por fazer baixar nos últimos 19 minutos de escrutínio o Sim cerca de 0,07%. Portanto se havia uma tendência para o Sim nas freguesias pequenas, ela só se confirmou no voto urbano. Do tal Portugal do CREDO (Canal Regional do Enterior Desquecido e Ostracizado) ao Portugal de Lisboa, Setúbal, Coimbra e Porto, o sim subiu 11%. É a vitória (pouco valiosa, é certo) do Portugal que quer alguma "bola p'ra frente" do Portugal que só quer o catenaccio. Porque, se do lado do 'Sim' houve gente odiosa e desonesta - ó, se houve - nada se compara a um João César das Neves (que faz Francisco Louçã parecer um moderado) ou a este post eleitoral que resume um pouco todo um 'Não' que prevaleceu durante grande parte da campanha. O 'Sim' ganhou por 25,44% contra 17,42% do 'Não' (no global dos inscritos - contando com os mortos e os emigrados) porque não andou a ameaçar humoristas nem a fazer folhetos com Fátima a chorar - e porque guardou na gaveta os graffitis do "Na minha barriga mando eu".

Gostava de pensar como liberal que sou - na economia moderado, nos valores menos moderado (acho que o Estado, por princípio, não se deve meter na vida das pessoas desde que elas não façam mal a ninguém senão, porventura, a elas próprias) que isto é um pequeno e curto passo a caminho de mais liberdade para os cidadãos. Mas é provável que os cidadãos mandem essa liberdade ficar em casa a dizer mal dos outros.

PS: Interessante. E como, baseado na notícia da AP, as principais cadeias americanas nos dão muito mais importância do que é costume. Aliás, nem numa eleição presidencial me lembro de abrimos o site da BBC. Vidas.

PPS: Houve dois referendos locais na história da democracia directa em Portugal: um em Tavira e outro em Serreleis que tinha como pergunta:

"Concorda com a construção de um campo de jogos para diversos desportos (polidesportivo) na parte de trás do Salão Paroquial de Serreleis?". Lindo!

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