sexta-feira, abril 30, 2004

Declaro-me inocente!

Ayrton SennaFaz amanhã 10 anos que desapareceu, estupidamente, um dos maiores mitos do automobilismo. Ayrton Senna, até à data o último dos pilotos a morrer na F1. Num fim de semana negro para a modalidade, para além do brasileiro, o seu compatriota Rubens Barrichelo teve um aparatoso acidente nos treinos de 6ªfeira, faleceu também o austríaco Roland Ratzenberger e Pedro Lamy envolveu-se num acidente na partida. E, como se tudo isto não bastasse, ainda houve espectadores e mecânicos das equipas feridos. As circunstâncias que envolveram a morte de Senna ficarão para sempre gravadas na minha memória. Não pelas razões que a grande maioria das pessoas invoca, mas por outras que explicarei mais à frente.

Vamos por partes. Quis o destino que nascesse numa família que, apesar de ligada comercialmente aos automóveis, fosse de modestos recursos e num país pobre. Estes dois factos tornaram quase impossível a concretização do meu sonho de vida: ser piloto profissional de automóveis. É a grande frustração da minha vida. Não saber aquilo que verdadeiramente valho numa corrida em circuito. E não saber até onde poderia ir algum jeito natural que tenho para a condução. Pelo seu mediatismo a F1 ocupa, desde o final da década de 70, o 1º lugar no pódio dos amantes de desportos motorizados. Não pela sua espectacularidade, mas antes pelo desafio técnico e humano que nela se vê. A fórmula 1 é, há vários anos, um desporto de élites, reservado a quem já nasceu numa família com posses (para sustentar o início de carreira) e oriundo, ou de países gigantescos - que tenham empresas com dimensão tal, que possam patrocinar em condições um piloto - ou de países em que existam grandes construtores automóveis (França, Alemanha, Itália ou Japão).

E assim sendo, desde muito jovem me tornei adepto de sofá de toda e qualquer corrida que me aparecesse pela frente. E desde sempre adepto da Scuderia Ferrari. Como qualquer adepto desta equipa, não me interessa quem pilota os carros, mas sim o sucesso da equipa, quer seja o Manuel quer seja o José a conduzir os carros. Entre 1979 e 1999, esta equipa podia-se considerar o Sporting da F1. Muita paixão e muita expectativa, quase sempre transformadas em decepcão e desilusões constantes. Nestes 20 anos, vi o mais importante título - o de pilotos - ser ganho por pilotos da Williams, McLaren (a maioria), Brabham e Benetton. Nesta época foram consagrados pilotos como Keke Rosberg, Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet, Niki Lauda, Michael Schumacher, Damon Hill e um predestinado de seu nome Ayrton Senna.

Sem hipocrisias, devo confessar que nunca fui um fã do piloto brasileiro. Antes pelo contrário. Por não conduzir um Ferrari. Por não apreciar a sua forma de conduzir, que a meu ver estava para além da legalidade (vidé a forma como atirou com Alain Prost para fora de pista, no GP do Japão de 1990, para se sagrar campeão do Mundo, e que o próprio planeou e confessou ao seu amigo Pedro Queiroz Pereira). E por desde sempre embirrar com a vassalagem/adoração que a corja de comentadores da RTP (José Pinto, Pedro Mariano, Hélder de Sousa e outros) faziam a todo e qualquer piloto brasileiro que conduzisse um qualquer Minardi... Reconheço no entanto, que Ayrton Senna era um predestinado que dedicou toda a sua vida a um único objectivo. Ser o melhor piloto do Mundo. Sem olhar a meios ou a sacrifícios pessoais. E conseguindo motivar as equipas em que estava, para lhe dar as melhores condições de trabalho que ele poderia ter. É precisamente aquilo que faz actualmente Schumacher na Ferrari.

No dia 1 de Maio de 1994, estava eu em casa dos meus futuros sogros, sentado num sofá à espera da partida de mais um Grande Prémio. E mesmo aqueles que não apreciam o desporto, apreciam os momentos iniciais da mesma. A partida é sempre um momento alto destes eventos. E lá estavam os meus sogros e a minha futura esposa frente ao aparelho de TV. A minha mulher nutre um ódio figadal pelas corridas, no geral. O meu sogro é também um adepto muito interessado e a minha sogra na época era fã de Ayrton Senna, porque ele ganhava, porque era brasileiro e porque era "engraçadinho"...

O piloto brasileiro, para não variar estava na pole-position (record que por enquanto ainda detém, mas o "papa-estatísticas" deverá ultrapassá-lo em breve) e tinha a seu lado o futuro vencedor desta prova - Michael Schumacher.

Dá-se a partida para a prova. E na 4ª volta dá-se a seguinte conversa, lá em casa. Em traços gerais, porque já não me recordo com muito pormenor:

O acidenteSogra: - Já ganhou!
Eu: - ...
Sogra: - O Senna já ganhou!
Eu: - Mas isto ainda agora começou...
Sogra: - O Senna vai passar toda a gente e vai ganhar!
Eu: - Então mas isto ainda agora está no princípio. Calma!
Sogra: - Sim, mas ele é o melhor e vai ganhar...
Eu: - ...

30 segundos depois ...

Sogra: - Vai!
Eu: - A F1 não funciona assim. Nem sempre os melhores ganham.
Sogra: - Mas o Senna vai ganhar!
Eu: - O que eu queria é que ganhasse a Ferrari. Quero lá saber do Senna para alguma coisa.
Sogra: - Ganham nada. Quem vai ganhar é o Senna!
Eu: - Espero bem que não...
Sogra: - Você não gosta do Senna?
Eu: - Não!
Sogra: - Então porquê?
Eu: - Porque não gosto dele! É estúpido e arrogante.
Sogra: - Pois, mas ele vai ganhar! Ele ganha quase sempre!
Eu: - O que eu queria era que ele se espetasse na próxima curva e morresse!


Esta última frase é textual, fruto de anos e anos de frustração e não representava minimamente os meus desejos. Mas a realidade por vezes prega-nos destas partidas e passadas 5/6 curvas (cerca de 20/30 segundos), o piloto brasileiro tem a sua famosa saída de pista, provocada pela cedência da coluna de direcção, que tinha sido cortada e reduzida de tamanho e peso, durante a noite e a pedido do piloto, na ânsia de retirar peso ao seu carro, na busca de centésimas de segundo e para se sentir mais confortável dentro do seu monolugar. E desse acidente, igual a tantos outros, quis o infortúnio que parte da suspensão anterior direita do Williams, fosse direccionada à cabeça do piloto... Este acidente ocorreu precisamente no mesmo local onde, cinco anos antes, Gerhard Berger tinha ido embater nos rails, com o mesmo ângulo, após a quebra da suspensão posterior esquerda, provocando até o deflagrar de um incêndio de grandes proporções.

Imediatamente após o acidente, todos os olhos se centraram em mim!

"VOCÊ MATOU O MOÇO!"

É este grito lancinante da minha sogra que guardo na memória até aos nossos dias. E já por várias vezes fui confrontado com este "assassinato", ao melhor estilo de vudu, do qual me declaro inocente!

Já vi milhares de acidentes em desportos motorizados. Já vi algumas mortes "em directo", e algumas na F1, sendo que a mais remota é a de Gilles Villeneuve (nuns treinos em 1982), a que se seguiram as de Ricardo Palletti (a cumprir a sua 4ª prova na F1) e faz hoje 10 anos o austríaco Roland Ratzenberger, a efectuar os treinos para o seu 1º GP.

Ainda hoje considero o acidente de Ayrton Senna banal. Já vi acidentes muito mais graves, que aparentemente fazem supor o pior, dos quais os pilotos saiem ilesos. Este, para mim, foi uma questão de azar.

Para a história ficam:

3 títulos de Campeão do Mundo
162 corridas (108 terminadas)
41 vitórias
80 pódios
65 pole-position
20 voltas mais rápidas
614 pontos (3º piloto deste ranking)

Estreiou-se a 25 de Março de 1984, no GP do Brasil (em Jacarepaguá),e termina no 6º lugar e somou o seu primeiro ponto, na sua 2ª corrida, no GP da África do Sul, no pouco competitivo Toleman. Na sua 1ª época só não pontuou numa das corridas em que terminou.
Em 1985, obtem no Estoril, a sua primeira vitória, já aos comandos de um Lotus, num dos Grandes Prémios mais chuvosos de que tenho memória, e no qual eu estive presente a assistir ao vivo.

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