Scolari, o Mundial de Futebol e o que eu espero do Alemanha 2006
Desde que tomou conta do comando técnico da Selecção Nacional de Futebol, Luís Filipe Scolari, tem sido alvo de muita e muita conversa. De muita e muita discussão. De muita e muita polémica, que atingiu o seu expoente máximo na semana que agora terminou, chegando quase ao ponto de enjoar. A meu ver tudo isto tem dois epicentros, que desconheço de todo se estão coligados ou não, mas presumo que não.
Antes de explanar as minhas opiniões, gostaria de esclarecer duas coisas, como forma de evitar alguns (não todos) os ataques rasteiros e alguns mal-entendidos, mormente os relacionados com alguma clubite.
A primeira é a de que como espectador de Futebol, sofro verdadeiramente é com o meu clube e não com a Selecção Nacional. Não sei explicar isto muito bem, mas é uma realidade. Só para dar um exemplo, estou mais interessado neste momento em saber quem vai ser o nosso próximo treinador, do que em saber quem vai ser a equipa titular no jogo de estreia, frente a Angola. São os resultados do Benfica que verdadeiramente me interessam e me enfurecem (quando são caso disso) ou me enchem de alegria (quando são inesperados ou são fruto de um trabalho de fundo). A Selecção Nacional, é diferente. Não sei se tem algo a ver com aquilo que os especialistas chamam de "pertencer a um grupo" ou a uma "tribo". Acompanho, mas jamais me fez ter ataques de verdadeira fúria/azia/má disposição, nem de alegria extrema. Só como termo de comparação, na minha vida já devo ter assistido, ao vivo, a cerca de 300 jogos de Futebol e somente um deles envolveu a Selecção Nacional - jogo de boa memória, porque implicou o nosso apuramento para o Europeu de 1984, disputado em França, com uma vitória por 1-0 face à URSS no antigo Estádio da Luz.
Depois, e isto garanto a 100 %, uma vez que estejam seleccionados os jogadores, eu dispo a camisola do meu clube e visto a da Selecção. Tanto me faz que o Zé Maria Pincel, seja jogador do Benfica, do Sportem, do Vilanovense ou do Águias da Musgueira. Que ele seja a melhor opção (na óptica do seleccionador) para aquele lugar, para mim, é o que verdadeiramente me interessa.
Posto isto vamos ao sumo da coisa. Foram anunciados, na passada 2ª feira, os 23 jogadores que irão representar, pela 4ª vez, Portugal numa fase final dum Campeonato do Mundo de Futebol. Das 3 anteriores participações resultou:
-1966 - Brilhante 3º lugar. Em relação a este Mundial não me alongo muito porque nem era nascido aquando da sua realização;
-1986 - Apuramento miraculoso no último jogo (vitória por 1-0 na Alemanha, com São Poste a intervir 3 vezes e São Bento mais de 10, no célebre jogo do "deixem-me sonhar" do Torres). Participação na Fase Final vergonhosa, envolta no famoso "Caso Saltillo", cidade para onde fomos com mais de um mês de antecedência, dizia-se para adaptação à altitude, mas onde parece que deixámos muitas saudades, quer junto das profissionais do sexo, quer dos vendedores de bebidas alcoólicas, segundo dizem as más-línguas. Ganhámos o 1º jogo à Inglaterra e de seguida os jogadores entraram em greve, por reclamarem prémios de jogo, onde até as derrotas deveriam recompensadas monetariamente. Naturalmente seguiu-se o descalabro. Derrota frente à Polónia (1-0) e humilhação no jogo decisivo contra Marrocos (3-1), num tempo em que 4 dos 6 terceiros classificados dos grupos, eram apurados para os 1/16 avos de final;
-2002 - Desta vez e pela 1ª vez na nossa história apurámo-nos para um Mundial de uma forma "limpinha". Terminámos em 1º lugar do grupo de apuramento e rubricámos bons resultados e exibições. Participação na Fase Final ainda mais vergonhosa que a anterior, que começou com um discutível estágio em Macau, que ainda vai fazer correr muita tinta e por mais uma eliminação precoce com 2 derrotas (EUA 3-2 e Coreia do Sul 1-0) e uma vitória (4-0 frente à Polónia com 3 golos de Pauleta e 1 de Rui Costa).
O saldo, como se vê, não é famoso. Antes de 1986, e nos 20 anos que mediaram estas duas presenças, andámos sempre ao mesmo. Rapidamente nos encontrávamos numa situação de dependência de terceiros e a fazer contas a vários "ses". Se o Liechtenstein for ganhar 5-0 à França e depois se as Ilhas Faroé, conseguirem empatar a 4 com a Bélgica, já "só" teremos que ir ganhar à Itália por 4 golos de diferença. À excepção destes 2 últimos Mundiais, é esta a imagem que está na minha memória de apuramentos para Europeus e Mundiais de Futebol. Naturalmente estas contas saíram quase sempre furadas (a excepção foi 1986) e lá ficávamos nós a ver os jogos das outras selecções na TV.
O xôr Scolari
O xôr Scolari chegou a Portugal, com o título de Campeão do Mundo no bolso e com um largo passado de conflito com a Imprensa e com a tomada de algumas decisões, ao nível das escolhas de jogadores, no mínimo polémicas, mas que teimou em levar avante e com sucesso, quer na selecção brasileira, quer nos clubes por onde já passou. O caso Romário, é capaz de ser o mais conhecido de todos. Apesar de todas as pressões que foram exercidas, Scolari jamais chamou o "baixinho" à Selecção Brasileira, por mais peditórios, pressões da imprensa e abaixo-assinados que tenham sido feitos. Visto à distância, percebo perfeitamente a opção. É demais conhecida a propensão do jogador para as noitadas, para a indisciplina (dentro e fora do campo), para a falta de aplicação nos treinos, que compensou durante toda a sua carreira com golos, muitos golos. Mas para Scolari isso não chega e eu assino por baixo. Scolari tinha muito por onde escolher e não lhe deve ter custado muito ter colocado Romário de lado. O Brasil, para mim, poderia formar 5 equipas, capazes de lutar pelo título mundial. Não há Romário há Ronaldo, não há Ronaldo é escolher entre os inúmeros Dirceus, Paulões, Tiquinhos, Djalminhas, Ptolomeus, Emersons, Clodoaldos, Zinhos, Nepomucenos, Juninhos, Rosinéis e Cafús que por lá brotam, ao virar de uma qualquer esquina.
Agora, vamos àquilo que anda sempre a ser chamado à baila. Nunca como agora os critérios de selecção de jogadores foram postos em causa. Vários têm sido as situações que têm vindo a lume na imprensa e que têm aceitação junto de parte dos adeptos de Futebol:
1. Caso Vítor Baía. Mesmo dando de barato as "razões não técnicas", que a certa altura foram indicadas como justificação parcial para o seu afastamento, por mim acho uma boa decisão. Esta é a minha opinião, baseado no seguinte: Vítor Baia, foi titular da selecção nacional em 3 fases finais de Campeonatos do Mundo/Europa e não houve um único jogo em que me desse confiança enquanto adepto. Um único jogo. No FC Porto sim, mas na selecção nunca senti isto. Assim sendo, roda o palco e avance o senhor que se segue, porque o "Balizas" já teve as oportunidades dele.
2. Caso João Pinto. Para mim nem caso é. Depois daquilo que fez no Mundial da Coreia/Japão (deu um soco no árbitro da partida do jogo decisivo da fase de grupos, sendo naturalmente expulso), jamais deveria ter estatuto moral, para solicitar uma segunda oportunidade. Quem não consegue controlar as emoções, não deveria ter lugar na alta competição. O extravasar de emoções está reservado para os adeptos. Os profissionais têm de saber lidar com a adversidade e JVP (tal como já tinha feito no jogo contra a República Checa do Euro-96) esteve muitos furos abaixo do desejável, neste capítulo. Felizmente que os dirigentes do Sporting - seu clube ao tempo - não entraram em rota de colisão com a FPF e o assunto morreu no bom-senso de toda a gente. No entanto, não me escandalizaria que o mesmo tivesse sido alvo de comunicação ao jogador por escrito e de comunicado oficial da FPF a explicar as razões para tal tomada de posição.
3. Caso "jogadores não titulares nos clubes a serem convocados". Este para mim é o mais sujeito a discussão, mas parece-me que há muita gente que ainda não percebeu - ou não quer perceber e prefere outro tipo de convocatórias - a forma de funcionamento de Scolari. A selecção passou de ser uma amálgama de jogadores que estão em boa forma numa determinada altura, para passar a ser um grupo de jogadores que garantiram o apuramento e que dão certas e determinadas garantias ao seleccionador. Quem perceber esta visão, entende as convocatórias. Quem não o fizer continuará eternamente a discutir as escolhas. A dizer que o Zé Trocozólhos é melhor que o Manel Peito-Duro e que o seleccionador é uma besta. Eu sou um grande defensor desta óptica de selecção de jogadores. Um núcleo duro de jogadores, que se sabe o que podem fazer, como reagem, como interagem uns com os outros, como resolvem conflitos, que actuam como um grupo, que se sabe como actuam em grupo, como sentem a camisola, como embirram uns com os outros, etc. Grosso modo é tentar aplicar a um grupo de profissionais, aquilo que de bom, têm os métodos militares de preparação de pessoas. É uma filosofia aplicada aos poucos e poucos, nos diversos jogos e estágios que ocorrem em cada ciclo de qualificação. Os jogadores que fazem grande parte dos jogos de apuramento, são naturalmente recompensados com a eleição para a selecção para a Fase Final. Dificilmente haverá neste tipo de convocatórias, lugar para malta com Taxa de Bazófia em excesso, jogadores demasiado individualistas, jogadores com o ego demasiado insuflado, que criem certo tipo de conflitos, etc. Uma vez escolhido este núcleo duro, muito dificilmente o treinador abdicará destes jogadores. O problema de muita gente neste país, é que ainda não percebeu isto e continua a reclamar por algo que Scolari nunca lhes deu, nem dará (escolher sempre os jogadores que estão em melhor forma, num determinado momento) e continuará a dizer que esta é a "Selecção dos amigos do Scolari" ou a "Selecção do Scolari" em contraposição à Selecção de Portugal.
4. Caso Quaresma. Depois de terem desistido do caso de Baía (uma vez que já nem o treinador do seu clube lhe entrega a titularidade), os responsáveis - e por tabela os adeptos, sempre tão bem mandados - do FCP, viraram-se para este seu jogador (um dos poucos portugueses da equipa inicial com qualidades técnicas para envergar a camisola da Selecção), reclamando a sua convocação. Mais uma vez, concordo a 100 % com a sua não-convocação, por coerência com o exposto no ponto anterior. Quantos jogos de apuramento fez o jogador? Zero. Quantas vezes foi convocado? Uma, para um jogo particular. Tudo isto, e juntando uma grande irregularidade exibicional, nomeadamente nos jogos "a doer", são para mim razões mais que suficientes para ratificar esta decisão e esperar por novos desenvolvimentos da sua ainda curta carreira. Este jogador, terá - se entretanto continuar a evoluir técnica e mentalmente - ainda muitos e muitos anos à sua frente, neste tipo de competições. Até digo mais, caso Scolari continuasse a treinar a selecção após o Mundial, aposto que o convocaria de imediato, para os primeiros jogos de apuramento do Euro-2008, uma vez que certos jogadores irão terminar a sua carreira, a este nível, na Alemanha. O homem é teimoso, mas não é burro.
5. Irrelevância dos resultados. Reclama muita gente que Scolari ganhou um Mundial, mas foi com o Brasil e que isso é quase uma obrigação (só um ignorante consegue dizer uma coisa destas, a sério) e que falhou clamorosamente na final do Euro 2004, logo cá não ganhou nada. Ora bem, de facto, Portugal teve uma oportunidade de ouro para conquistar o seu primeiro título europeu de futebol (equipa A). O adversário era acessível? Em teoria sim, mas na prática isso não aconteceu. Tal como não aconteceu com duas das mais poderosas formações europeias, a França e a República Checa, que também sucumbiram frente aos gregos.
Eu tenho para mim que, quer ao nível de selecções quer de clubes, uma equipa portuguesa atingir grandes finais, e eventualmente ganhá-las, é a anormalidade. Não temos nenhuma obrigação de as ganhar com um carácter regular, por razões de ordem de dimensão geográfica, histórica e acima de tudo financeira.
6. Xenofobia. Pode parecer um argumento sem nexo, mas eu compreendo muito bem o que ele quer dizer, quando afirma que há uma certa azia por ele ser de nacionalidade brasileira. De facto, já ouvi como argumento o facto de ele ser brasileiro, como algo de negativo e que os brasileiros, como técnicos, deixam muito a desejar. Quanto e este ponto, só posso acrescentar o seguinte. Os brasileiros conseguiram os melhores resultados de sempre da Selecção Nacional e ponto final. Para os menos informados, era um brasileiro (Otto Glória) que treinava a equipa de 1966.
Da origem das críticas
Para mim, Scolari, até à data, pelos resultados apresentados, é o melhor seleccionador nacional de futebol de sempre. Foi a uma final de uma grande competição internacional e apurou Portugal com alguma "aparente facilidade", sem derrotas e com um dos melhores ataques da zona de apuramento europeia. Mas isto não chega para os críticos. Críticos que são quase sempre os mesmos:
1 - O FCP, na figura do seu "dono", que não perde uma oportunidade para atacar o seleccionador nacional e, por arrastamento, quase todos os sócios/adeptos desse clube, que funcionam como caixa de ressonância do "dono". A sua argumentação é sempre a mesma e por vezes chegam a dar a ideia que preferem apoiar outro país, na boa velha dinâmica d´"O Porto é uma nação". Conheço alguns adeptos do FCP e não há um único que neste momento apoie a selecção nacional. Muitos desejam o descalabro e os mais "doentios" até afirmam ir puxar pela Argentina...
2 - Grande parte dos jornalistas desportivos deste país, que estão constantemente a fazer o mesmo de tipo de questões, sabendo de antemão que não irão ter respostas e que estão a irritar Scolari. Estes mesmos profissionais continuam a reger-se pelo critério "escolhem-se os melhores 23" (lá na óptica deles, que depois não irão liderar o grupo de trabalho durante mês e meio e assumir responsabilidades pelos resultados) e não saem disto. E pior ainda, quase que parece que não são capazes de avaliar os resultados, tal como eu fiz, a frio e actuam como verdadeiros profetas da desgraça. Já li, nestes dias, de jornaleiros supostamente respeitáveis, que esta era a Selecção de Scolari, a Selecção dos amigos do Scolari e não de Portugal. Fosse eu o chefe deles e passariam a fazer de imediato reportagens de exposições caninas. Não admito que um jornalista chegue a este ponto, só porque não concorda com a forma como se seleccionam os jogadores.
Perspectivas para a fase final do Mundial
Pessoalmente, este ano, estou muito receoso da fase de grupos. O sorteio não podia ter sido mais acessível e isso não augura nada de bom. Garanto que preferia estar incluído num grupo que fosse o mais difícil, no plano teórico. É nessas situações que a motivação está ao máximo, e muitas e muitas vezes temos ultrapassado essas situações com categoria, como por exemplo no Euro-2000 em que fazíamos parte do chamado "Grupo da Morte" com Alemanha, Inglaterra e Roménia e vencemos os 3 jogos. Quer a Selecção quer os clubes portugueses lidam mal com o favoritismo teórico (vide o Mundial de 2002, em que o grupo composto por Coreia do Sul, EUA e Polónia foi unanimemente considerado acessível... ). Regra geral, este tipo de situações dão mau resultado, ou seja, implica a chamada desilusão. Estou mais confiante em boas exibições/resultados, quando as dificuldades são acrescidas.
Se ultrapassarmos a fase de grupos, iremos jogar com uma equipa apurada do Grupo C (teoricamente uma do trio Argentina / Holanda / Sérvia e Montenegro) e posteriormente, e mais uma vez em teoria, uma do duo Alemanha / Inglaterra. Portanto, a coisa não tem um ar assim muito animador, mas há que primeiro entrar com o chamado "pé direito" e vencer (ou pelo menos não perder) o primeiro jogo com Angola e depois garantir o apuramento para a fase de eliminatórias, que aí, num só jogo, tudo pode acontecer.
Não sou, por natureza, um optimista do caraças e não me revejo de todo em certas campanhas publicitárias que por aí andam, que fazem supor que há por aí muita gente com a Taxa de Bazófia demasiado elevada. Esta euforia é, a meu ver, exagerada e criadora de expectativas que muito dificilmente irão ser concretizadas. Não vejo como plausível que venhamos a chegar às meias-finais e muito menos a ganhar o torneio, mas não me importava nada de estar equivocado. Uma passagem para os últimos 16, a mim parece-me já um resultado honroso (face ao passado na competição). Daí para a frente é tudo lucro. Naturalmente não acredito numa vitória na competição e acharia, por exemplo nova presença nas meias finais, mais um resultado histórico. Chegar aos quartos de final, seria um excelente resultado.
Dentro de dois meses já saberemos o que se passou e então aí poderemos retirar conclusões mais válidas do trabalho global de Scolari à frente da Selecção. Até ver, eu por mim estou satisfeito e estou satisfeito acima de tudo por uma razão:
- Nunca na história do futebol português, a Selecção Nacional teve uma série de resultados tão positiva e nunca eu me lembro da equipa jogar de igual-para-igual com qualquer adversário que lhe apareça pela frente, desinibida e com vontade de ganhar, como agora. Há gente que atribui isto à qualidade dos jogadores, mas francamente não é essa a minha opinião.
Apesar disto tudo, há quem continue a profetizar/desejar mais um fracasso rotundo, a dizer que esta não é a sua selecção e que vai apoiar outros países nesta competição. Para esses tristes e pobres de espírito, os meus mais sinceros pêsames. Nem todos podemos ter um QI de dois dígitos.
Ganhem juízo pá!
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