Crónica de um dia improvável
Ontem, estava eu muito descansado da vida, em minha casa, quando, por volta das 15:00, toca o telefone. Assim que reconheci a voz do outro lado, mentalmente quase que adivinhei o que por aí vinha. Amigo dos tempos da faculdade, o Zé é o maior "doente" e sofredor do Benfica que algum dia conheci. Foi ele que conseguiu com que eu me deslocasse - quando estávamos num congresso em Espinho - no já longíquo dia 28 de Abril de 1991, ao Estádio das Antas, para vermos a única vitória encarnada, a contar para o campeonato nos últimos 27 anos naquele recinto (0-2, golos de César Brito). Foi a primeira, a única e a última vez que fiz tal coisa, pois o ambiente que é criado naquelas bandas não se coaduna com a minha maneira de ser.
Sabedor do meu afastamento dos estádios de futebol, por conta de situações várias mas que, em traços gerais, se resumem a dois acontecimentos quase consecutivos (entrada de Artur Jorge para treinador do Benfica, substituindo quem tinha acabado de conquistar o mais improvável de todos os títulos, e principalmente o branqueamento que aconteceu com o "Caso Calheiros), nem me tinha dito nada, quando tinhamos almoçado na semana anterior e discutido até à exaustão o recente e afortunado triunfo no Estádio José Alvalade. Mas, em boa hora, o Zé me telefonou:
- Jaquim! Tás bom? Nem calculas porque te telefono!
- Olá. Não calculo? Se calhar até adivinho...
- Jaquim, lembras-te daquela ida às Antas?
- Sim...
- Pá, tenho aqui um bilhete para o Jamor hoje. Queres vir? Dás sorte quando vamos ver jogos contra o Porto!
- Dou sorte? Eu nem gosto de ir ver jogos contra esses tipos, porque é só cacetada. E nem me apetece ir para uma qualquer "Festa dos Cabeçudos".
- Eu também não estou com fé nenhuma, mas não ganhamos nada há tantos anos, nem temos tido essa hipótese, que eu não podia faltar a uma coisa destas.
- ...
- Então como é que é? Vens ou não?
- Para onde é o bilhete?
- Não sei. Ainda tenho que ir buscá-lo. Foi um amigo meu que me telefonou agora a dizer que desistiram 2 pessoas que lhe tinham pedido os bilhetes. Mas isso não interessa para nada. Vens ou não?
- ... E se for para o meio da claque do Porto?
- Não é nada, que este tipo sabe muito bem como eu sou e não me ía arranjar uma coisa dessas! Como é que é? Já são 3 da tarde. Não há tempo a perder! Ou vens ou não vens!
- ...Bom... eu não gosto nada de ver jogos contra o Porto...Mas pronto, eu vou. Onde é que nos...
E assim foi. Entre as 15:10 e as 17:05, foi uma correria doida. Uma deslocação até ao Alto dos Moinhos, uma corrida até Oeiras para ir buscar os bilhetes, junto do tal amigo, que por curiosidade é filho do Artur Correia (velha glória do Benfica e do Sporting da década de 70) e mais outra correria até à estação de comboios de Belém, onde apanhámos o comboio até à Cruz Quebrada e posteriormente um grande esticão, a pé e em passo acelerado até à bancada lateral do Estádio do Jamor, e 10 minutos antes de começar o jogo lá estava eu, no retorno do Glorioso às vitórias, após longos e penosos 8 anos de jejum!
Um lugar com boa visão do campo, mas demasiado perto do "inimigo" (naquela zona, perto de 85% dos adeptos eram do FCP), que a única coisa positiva que teve foi permitir ver o jogo todo à sombra.
Um jogo sofrível de parte a parte, mas a satisfação da vitória. A confirmação do mau perder do técnico e adeptos do FCP.
E depois, como tinha deixado a minha viatura no Alto dos Moinhos, ainda tive que "aturar" o Zé, Avenida da Liberdade acima e abaixo, a buzinar que nem um desvairado, comigo a conduzir e com ele sentado no tejadilho do seu carro, porque ninguém o demovia a ir para casa, mesmo tendo que ir ainda a noite passada para o Porto, onde tinha hotel reservado, a fim de dar hoje uma sessão de formação.
Sessão, que segundo palavras suas ia ser efectuada com um cachecol que lhe tinha sido oferecido pelo jogador Hélder, quando este subia a escadaria que dava acesso à tribuna presidencial, onde lhe seria entregue o troféu em disputa. E não duvido que o vá fazer!
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