quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Quem quer ser um Pacheco Pereira?

Caro leitor, decerto já reparou que, nos dias que correm, não há ninguém (tirando talvez uma ou duas senhoras que habitam numa velha aldeia de Trás-os-Montes e dois eremitas siberianos) que não tenha opinião sobre tudo e mais alguma coisa? Toda a gente...menos você! Certamente você também terá algo de interessante e relevante para dizer sobre alguma coisa. Mas...e mesmo que não tenha, porque deve ser isso razão para o impedir de dar a sua opinião, e ser conhecido pelas iniciais do seu nome, como o são tipos como JPP, MRS, VPV ou MST?
Parece-lhe justo que lhe seja vedado o direito à opinião só por isso? Pois, a mim também não, e é por essa razão que lhe sugiro que não perca mais tempo a pensar nessa injustiça porque, sempre atento aos desejos dos seus leitores, o desBlogueador de conversa vem ao encontro das suas necessidades de fama e afirmação social, com um pequeno manual para que também você possa ser um opinador respeitado e citado em tudo o que é lugar.

Olhemos então apenas por um momento para o mundo em que todos nós, opinadores e devoradores de opiniões, vivemos. No preciso momento em que você lê estas palavras há "coisas" marcantes e decisivas a ocorrer lá fora. Acontecimentos perturbantes. Acontecimentos que abalam a sociedade. Acontecimentos que moldam o nosso futuro comum. Tudo está em risco. A economia está em risco. O nosso estilo de vida está em risco. A sobrevivência de imensas espécies animais está em risco. E não há blogger, jornalista ou comentador televisivo que não analise e disseque todas estas situações.

Agora, também você o pode fazer! É altura de doar a sua dádiva opinativa à sociedade, fazendo com que toda as pessoas saibam o que pensa sobre as "coisas" e, obviamente, com que todas essas mesmas pessoas saibam exactamente o que devem pensar sobre essas "coisas"? No fundo, tudo o que falta para que o bem vença na eterna batalha contra o mal é que você, atento leitor, deixe registada e disponível online a sua opinião sobre tudo! Se a chave da salvação do mundo como nós o conhecemos está na ponta dos seus dedos, de que é que está à espera para começar a disparar opiniões em todas as direcções?

Claro que pode argumentar que lhe faltam realmente – entre outras coisas – opiniões sobre os assuntos em questão. Tudo bem, não é por aí que há problema, até porque as opiniões não passam de coisas extremamente incomodativas e mal cheirosas, com tendência a cair de podres quando colocadas sob a luz de uma análise mais detalhada.
Assim, o que você realmente necessita é de algo que, apesar de se parecer com uma opinião própria, não o faça cair na obrigação de a defender, justificar ou analisar racionalmente.
Bem vistas as coisas, enquanto você perde tempo a analisar dados, números ou outras opiniões, há pessoas que estão a publicar artigos e posts sobre os mesmos assuntos...antes de si. E isso não pode ser! É por isso que lhe indicamos este pequeno guia para que a sua emissão de opiniões se torne tão fácil como andar de bicicleta e tão rápida como aquecer um copo de leite no microondas.

Método 1 - Originalidade opinativa

Ah pois...e agora onde é que eu vou comer bolinhos? Raça dos louros!É provável que você possa não ter opinião sobre boa parte dos assuntos da actualidade, mas certamente terá uma opinião sobre alguma coisa, seja relacionada com a política internacional, o nível de educação dos empregados de café da sua cidade ou a qualidade dos bolos da pastelaria da esquina.
Felizmente para si, e como todos os assuntos se encontram ligados entre si a um determinado nível (por muito ténue que esta ligação por vezes possa parecer), não há razão para se sentir obrigado a opinar sobre coisas sobre as quais não se interessa minimamente.
E há lá maneira mais fácil que usar a tradicional abordagem nacional – culpar alguém, principalmente políticos (no activo ou não) por tudo o que corre mal no seu mundo. E mesmo que a ligação entre o assunto a que quer chegar e a situação realmente discutida lhe pareça difícil de executar há sempre maneira de lá chegar. Um exemplo:
"A disputa entre o Canadá e a Dinamarca pela ilha de Hans só veio confundir ainda mais um mundo já de si em agonia desde o fecho da pastelaria da esquina do Sr. Fonseca."

Método 2 - Bitaitamento não opinativo

Ah pois é, a verdade é que...coiso!Você não quer tomar uma posição sobre determinado assunto controverso, mas mesmo assim quer mandar o seu bitaite? Então faça questão de apontar um único facto, mesmo que vagamente relacionado com o assunto em questão. Por exemplo, discute-se a possibilidade de legalização da prostituição em Portugal e você escreve algo como:
"Mais de 200 prostitutas por ano no nosso país, contraem e transmitem doenças venéreas aos seus clientes."
E agora, você é a favor ou contra a legalização da prostituição no nosso país? Apesar de não a ter exposto claramente, é certo que terá a caixa de comentários cheia de outras pessoas prontas a atacá-lo pela sua “posição”. E, a propósito, inventar uma estatística qualquer, como eu fiz no exemplo descrito também é uma boa estratégia. Servirá apenas para criar mais assunto e mais discussão.

Método 3 - Salpicos de humor

Olha a esmolinha...é para uma boa causa...ou não, ou não!Felizmente, hoje em dia, e apesar dos extremismos a que se assiste por esse mundo fora, não há tema, por muito complicado, sensível ou polémico que seja, que não possa ser comentado num tom mais leve. Esta técnica é particularmente eficaz quando se opina sobre assuntos sobre os quais não se entende muito mas que soam, pela sua própria descrição, a algo pouco divertido e muito sério. Quanto mais sério for o assunto, mais fácil se torna deixar pequenos comentários de tom mais ou menos humorístico escondidos no meio da sua opinião.

Um exemplo:
"Nos Estados Unidos, a igreja católica pagou 46 milhões de dólares para indemnizar 75 vítimas de abusos sexuais por parte de padres. Prova-se assim que, afinal, o dinheiro das esmolas sempre serve para alguma coisa."

Método 4 - Opinião rotativa

O monstro...o monstro...o monstro...Muito na moda no nosso país, principalmente nos campos da análise política e desportiva, é igualmente extremamente útil em quase todos os outros assuntos. Basicamente dá-nos a possibilidade de dar hoje uma opinião e amanhã, com base em dados "completamente novos", dar uma completamente diferente, sem que isso invalide a primeira. Para isso é essencial que se protejam as diferentes possibilidades aquando da primeira abordagem ao assunto.
Exemplificando:
"Apesar de ser quase certa uma derrota estrondosa de Cavaco Silva nas próximas eleições, caso isso não se viesse a verificar, tal teria que ser imputado à estratégia adoptada pela esquerda de não ter um candidato único."

e dois dias depois...

"Tal como eu vinha alertando, a divisão da esquerda permitiu a vitória do candidato da direita."

Método 5 - Previsões à posteriori

Mmmm...isto ia bem era com uma sevilhana gorducha...glurk!Uma das técnicas mais comuns, de fácil utilização e extremamente poderosa. Basta recordar estas 7 palavrinhas: "De que é que estavam à espera?". Exemplos?

- "O primeiro ministro foi apanhado num esquema de venda de armas ilegais a países do 3º mundo? De que é que estavam à espera? Os políticos são todos iguais!"
- "Um tsunami devastou metade da Ásia Ocidental? De que é que estavam à espera? O homem continua a desafiar a natureza!"
- "O Sporting venceu o Benfica em pleno estádio da Luz? De que é que estavam à espera? Os jogadores das equipas que são tidas na altura como menos favoritas transcendem-se sempre nestes jogos!"
- "Uma espécie alienígena aterrou no meio de Espanha e devorou metade da sua população? De que é que estavam à espera? Sabendo-se que existem biliões e biliões de planetas no Universo, achavam ser mesmo possível que em nenhum desses locais não vivesse uma espécie de extraterrestres carnívoros que gostassem de sushi humano com sabor a paelha?"

Deste modo, e como tudo o que você está a "prever" já aconteceu, não há hipótese que alguém lhe venha dizer que está errado. Você nunca falhará!

Resumo: você poderá optar por escolher uma destas técnicas como sua, ou ir alternando entre várias, seja sobre o mesmo tópico ou sobre tópicos diferentes. De qualquer modo, terá sempre algo para dizer sobre todo e qualquer assunto, não importando que este seja demasiadamente técnico, esotérico, complexo ou aborrecido.

Divirta-se e espere pelo convite de um qualquer canal de televisão para ser o seu novo Nuno Rogeiro!

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